No mundo das escolhas, em que tudo parece que está numa prateleira de supermercado, as pessoas se vêem como consumidoras de tudo [e um pouco mais]. O campo de ofertas se estende a tal ponto que o consumidor se vê perdido em meio a tantas escolhas: diet, light, “com toque de limão”, integral, desnatado, instantâneo etc.
A verdade é que as nossas relações também viraram produto de prateleira. Parece que fomos industrializados e temos até data de vencimento [“best before...”]. Quietude, espera, meditação, dentre outras disciplinas contemplativas, não são bem quistas entre nós. Um exemplo disso é a frase dos que se aventuram no amor: “A fila anda” - como se o coração fosse um produto na linha de montagem de um modelo fordista, feito para ser consumido como os demais bens de produção duráveis. Bem, na verdade, não tão duráveis assim, vamos combinar... Você sabe, né? É a lógica capitalista: os bens não podem durar tanto, pra economia girar [já temos um outro modelo: toyotismo, que na explicação schumpeteriana vem a ser a “destruição criadora” que troca o velho pelo novo. Estou estudando! hehe...].
Outra coisa é perceber como a nossa espiritualidade tem sido alvo dessa correria desenfreada. São tantas as programações, eventos, congressos, vigílias, projetos, louvorzões... que me pergunto, sinceramente, onde está Deus nisso tudo. De um tempo pra cá, “missão integral” tem sido tema corrente em oficinas, palestras, periódicos, boletins dominicais e outras formas de mídia evangélica. Mas, cá entre nós, “missão integral” não é uma invenção de missiólogos! As Sagradas Escrituras nos apresentam ótimos exemplos de “missão integral”. Nada melhor que a parábola do bom samaritano!
"Ide e fazei discípulos de todas as nações..." . A Grande Comissão [cada vez menor...] é muito mais que um tema augusto, sublime, majestoso... Pra mim, Jesus Cristo não estalou os dedos e deu essa ordem aos seus discípulos. Não! Ele demonstrou isso, em seu ministério, através de seu relacionamento com o próximo: a mulher samaritana [era mulher e samaritana!], a mulher cananéia [era mulher e cananéia!], a escolha de Levi [um cobrador de impostos!], dentre outros personagens que faziam qualquer judeu sentir coceira só em mencioná-los.
Gente não é andróide. Gente tem sentimentos, emoções, sonhos, projetos, desejos... E é justamente nessa rede de gente que a missão integral se apresenta. Não há espaço para estruturas, porque a vida é dinâmica e Deus se revela de forma dinâmica: impossível formatar Deus. A nossa própria fala nos denuncia, quando dizemos, por exemplo, inocentemente: “Vou ao culto”. Mas será que precisamos ir ao templo pra cultuarmos Deus? E o nosso dia-a-dia? Não, este não é um discurso liberal! Ir à igreja é importante, sim! Já dizia o salmista: “Alegrei-me quando me disseram: vamos à Casa do Senhor.” Aliás, como alguém já disse: “não se vai à Igreja, mas se é Igreja.”
Não sou o Richard Foster ou o Rick Warren, mas constato que existe uma praga que ronda a Igreja de Cristo: a praga do ativismo. Ativismo é quando consideramos as tarefas essenciais para o cumprimento do “Ide” de Jesus. Chamo de praga porque elas aparentam ser boas... pra crescer a Igreja. Contudo, repare no verbo: “aparentam”, isto é, não “são”. É como se medíssemos a espiritualidade de alguém pelo número de cargos, títulos, “promoções”... recebidos na Igreja. E assim, fazemos do Cristianismo uma grande empresa. Os “fermentos” para o seu crescimento são dos mais variados [basta entrar numa livraria evangélica e ver a quantidade de livros para o “crescimento” da Igreja]. O problema é a motivação errada desse crescimento: tão-somente quantitativo? E a qualidade [investir em relacionamentos sadios]?
Quando escrevo essas coisas e as coloco no blog, sinto uma mistura de tristeza e alegria. Tristeza porque me vejo nesse grupo de pessoas que já correu de um lado pro outro, procurando “fazer algo pra Deus” [e se não vigiar, volto àquela correria outra vez...]; alegria por ter sido despertado [por Deus] ao convite de uma vida dinâmica a ponto de não “entrar em crise” porque não abri a boca pra falar do plano da salvação. Descobri que ser cristão é me relacionar com Deus e amar o meu próximo. Dias de evangelismo, por exemplo, são como um megafone pra me lembrar de minha responsabilidade de compartilhar o amor de Deus: algo que devo fazer diariamente. Afinal, evangelismo é meu estilo de vida [ou não é?]. De acordo com a minha resposta, constatarei que tipo de cristianismo vivo: integral ou desnatado?
“Pregue o Evangelho em todo tempo. Se necessário, use palavras.” [São Francisco de Assis]